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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

2015, o Brasil finalmente mostra a cara

No dia 25 de abril de 1989, a revista Veja chegou às bancas com uma das capas mais infames de sua história: Cazuza, uma vítima da AIDS agoniza em praça pública. A reportagem com oito páginas demoliu sem dó nem piedade o jovem Agenor de Miranda Araújo Neto, 32 anos, o cantor e compositor com pseudônimo de Cazuza, que vivia o calvário da doença em plena glória artística. A sua doença já era pública, mas a condenação da revista foi cruel. A demolição do artista foi ainda mais implacável. A reportagem dizia que ele não era um gênio, não era um Chico Buarque, um Caetano Veloso, um Gilberto Gil, um Shakespeare, um Dante e insinuava que toda festa em torno dele era por piedade. Cazuza leu a reportagem, a pressão arterial caiu, ele foi levado às pressas para o hospital, onde foi internado em choque, respirando com dificuldade.

Cazuza não foi um modelo, com sua vida de excessos, para a juventude. O artista, contudo, cantor e compositor foi excepcional. Era um letrista, um poeta genial. O diagnóstico da AIDS libertou neles às amarras da convenção social e ele produziu o que hoje são clássicos da MPB com um poesia cáustica e lírica. Uma dessas canções, Brasil, cuja refrão trazia um verso em desafio, 

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer

Não me ofereceram
Nem um cigarro
Fiquei na porta estacionando os carros
Não me elegeram
Chefe de nada
O meu cartão de crédito é uma navalha

Brasil
Mostra tua cara

Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Não me convidaram
Pra essa festa pobre
Que os homens armaram pra me convencer
A pagar sem ver
Toda essa droga
Que já vem malhada antes de eu nascer

Não me sortearam
A garota do Fantástico
Não me subornaram
Será que é o meu fim?
Ver TV a cores
Na taba de um índio
Programada pra só dizer "sim, sim"

Brasil
Mostra a tua cara

Quero ver quem paga
Pra gente ficar assim
Brasil
Qual é o teu negócio?
O nome do teu sócio?
Confia em mim

Grande pátria desimportante
Em nenhum instante
Eu vou te trair
(Não vou te trair



A  poesia de Cazuza, nesta canção, em 2015, veio a minha memória porque o Brasil enfim mostrou a cara... a cara fascista, militarista, cheio de ódio e rancor, e não apenas na elite milionária, mas no povo nas ruas, estradas, igrejas. O Brasil, tenebroso, preconceituoso, ignorante, ajoelhado beijando botas armadas e perseguindo comunistas, que são todos aqueles que cultivam valores democráticos....

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