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terça-feira, 24 de maio de 2011

A Veja quer salvar os vernáculo

A Semana de Arte Moderna, que aconteceu em São Paulo, em 1922, fosse hoje, a Veja pediria em editorial a prisão de todos os anarquistas. E 1922  está a caminho dos 100 anos. Um dos expoentes de 1922, Oswaldo de Andrade, publicou um artigo dois anos depois onde dizia:

"A língua sem arcaísmos, sem erudição. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos"

Para Veja nada mudou. A norma linguística é a lei da palavra escrita ou falada. Por essa razão vem tentando queimar vivos em praça pública os autores do livro "Por uma vida melhor", adotado pelo MEC e destinado a educação de jovens e adultos. No livro os autores sugerem a adoção do adequado e do inadequado na comunicação oral e escrita, no lugar de certo e errado, uma vez que em determinados estratos sociais o uso da economia do plural, como os livro, nós vai, é um hábito tão arraigado que o aluno que pertence a esse estrato fica excluído quando entra na escola, em função do preconceito social, uma vez que a língua identifica as tribos urbanas. A Veja, que não entende nada de linguistica, junto com a Globo, liderou uma inquisição vernacular contra os autores dos livros.

A opinião dos professores é outra. Defendem o livro do MEC. A professora Neiva Maria Jung, doutora em Letras e professora de Língua Portuguesa da Universidade Estadual de Maringá (UEM), em entrevista ao O Diário de Maringá, faz uma avaliação pertinente:

O Diário - Qual a opinião da senhora sobre o livro que tolera erros de concordância na fala?

Neiva Maria Jung - A postura atual da linguística pede que a escola leve o aluno a compreender o que constitui a linguagem dele na fala. Esse seria o caminho mais fácil para ele aprender a escrita. Da forma como está acontecendo hoje, simplesmente se impõe a norma culta escrita e ainda se deixa claro para o aluno que ele deve falar como ele escreve. E essa é uma tarefa muito árdua e que não acontece. Nem mesmo os que mais zelam pela língua, os mais puristas, não conseguem falar como escrevem. Eles falam uma norma culta, mas que é diferente da escrita. Levar o aluno a entender o que constitui a sua fala parece mais fácil para que ele compreenda o que constitui a escrita.

Qual é, afinal de contas, a diferença entre a fala e a escrita? Elas não são a mesma coisa. A oralidade também deve ser trabalhada nas escolas, mas principalmente a escrita, que é a responsável pela mobilidade social. Esses grupos socioeconomicamente desfavorecidos têm fala bastante diferente e com muitas variações linguísticas porque não têm acesso à escolaridade como os grupos mais privilegiados. Na verdade, o preconceito que gerou essa polêmica é social e como agora existe uma política de combate a todo tipo de preconceito, precisamos começar a mexer nesse assunto, que é muito velado. 

O Diário - A escola pode aceitar outras variantes da língua, diferentes das regras gramaticais?

Neiva Maria Jung - Não é que a escola vai aceitar uma carta ou um ofício escrito com variação linguística. Até porque são gêneros que exigem a norma culta. A escola vai corrigir, pedir que o aluno refaça, vai trabalhar para que ele redija um ofício e um requerimento dentro dos padrões da língua culta.

O Diário - Em uma prova não será aceito, por exemplo?

Neiva Maria Jung - De jeito algum, porque a prova pede a norma culta. Ela vai aceitar em um bilhete para o colega, por exemplo. O próprio aluno já sabe o que pode usar no bilhete e em uma carta para a diretora, por exemplo. Ele tem a noção de adequação da linguagem. O que acontece é que os alunos de classes sociais desfavorecidas não têm muito contato com a escrita antes da escola. Eles não têm quem faça essa mediação e mostre o que é da escrita e o que é da fala.



O Diário - Mas está certo dizer "nós pega o peixe"?

Neiva Maria Jung - Certo e errado é relativo. Há certos grupos sociais no Brasil que falam ‘nós pega o peixe’. Pelo menos no capítulo ‘Escrever é diferente de falar’ (do livro distribuído pelo MEC a alunos da EJA), o que os autores se propuseram a fazer não foi afirmar ao aluno que ele pode continuar falando assim. A escola faz de conta que isso (a variante) não existe. Em vez de ignorar, o que eles (autores do livro) estão fazendo é trazer o assunto para sala de aula.

E mais: precisamos explicar linguisticamente porque a pessoa fala ‘nós pega o peixe’. Por que só há marca de plural no primeiro elemento? Na verdade, essa marca é redundante. O português culto pede que se repita, mas a sociedade economiza tempo e essa economia também acaba indo para a linguagem. O livro leva o aluno a refletir e é um caminho para que ele entenda porque o ‘nós’ passou para ‘nóis’ e ‘peixe’ não é mais ‘peixe’, e sim ‘pexe’.

O que aconteceu linguisticamente? O professor estaria levando o aluno a compreender a gramática da língua que ele fala e da que ele vai aprender para escrever e para falar em situações formais. Ressalto que o preconceito não é resultado da questão linguística, ele é social.

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